quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Há lugares que são testemunhos literários

Gosta-se de um livro, por muitas e variadas razões, i.e., o leitor assimila o texto de diversas formas possíveis, segundo as suas próprias significações e valores. Tenho para mim, que cada leitor deve escolher o que deve ler, como deve ler, e porque não, reduzir o universo dito literário às suas escolhas e manias. Por exemplo, pode apreciar-se um livro como, A Sombra do Vento, apenas porque recria o tema da biblioteca, através desse labirinto insondável que é o mundo dos livros; elementos que lembram o universo de Jorge Luís Borges e até de Umberto Eco. Existem, por outro lado, narrativas que funcionam como um testemunho para a cidade e a cidade como uma referência para a obra literária. Digamos que é este lado funcional de roteiro descritivo que, sobretudo, destaco de modo sumário em , A Sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafon, e A Lã e a Neve de Ferreira de Castro que, creio eu, também reproduziu esse topos social.
Sem ter o intento de estabelecer um paralelismo nas suas estruturas narrativas, não posso deixar de mencionar a pintura dos costumes, que brota no olhar dos narradores sobre as duas cidades durante o final do segundo quartel do XX. Cada uma, à sua maneira, emana vitalidade página após página, através de um apurado sentido estético/crítico dos lugares. Ambas estórias usam como referente a realidade cinzenta de duas cidades em meados do século passado para construírem mundos literários idealizados; no seu interior deambulam vidas misteriosas que se escondem e se revelam ao virar da esquina e em torno das quais o conflito se aglutina e organiza. Vislumbram-se em Barcelona como na Covilhã lugares donde emergem personagens envoltos em nostalgia e fatalidade. Em A Sombra do Vento, observam-se criaturas pertencentes a uma certa burguesia citadina, plasmadas na cartografia urbana de uma Barcelona do pós guerra. No romance, A Lã e a Neve, a linearidade “neo realista” de Ferreira de Castro, apresenta-nos personagens com almas complexas  e em precário equilíbrio, atormentados pela obscuridade das suas vidas operárias. O narrador fixa o relato, num segmento da rua, no mercado, ou num caminho entre Aldeia do Carvalho e a Covilhã. Ele retrata, acima de tudo, fragmentos de um lugar em lenta transformação industrial e social. As ruas da cidade e os trilhos na montanha aparecem como sitios dotados de valor e sentimentos, onde são articuladas vivências e experiências pastoris/ operárias, caracterizadas por espaços simbólicos como a fábrica, a serra ou a neve.
Vale a pena ler ou reler no período festivo que se aproxima, dois estilos, aparentemente dispares, mas que não se deixam amarrar aos temas, aos heróis e que, sobretudo, exibem vozes literárias próprias, singulares a todos os títulos.

João Videira